Não me recordo ao certo se já mencionei o interesse pelo xadrez por aqui,
porém se não o fiz, com certeza é uma falta grave. O xadrez tem me acompanhado
há muitos anos, até mais tempo do que o próprio blog. Lembro distintamente das
noites em que eu voltava da UFS, ainda no primeiro período em 2018, esquentava
no microondas a comida que tinha sobrado do almoço (eu almoçava muito cedo e
antes da minha família porque as aulas começavam às 13h) e, jantando sozinho
com a luz da cozinha apagada, colocava meu celular na mesa e assistia ao
primeiro canal de xadrez que encontrei: o canal do
Renan Araújo. Inclusive,
ele também tem um blog, o
Vila do Renan que, apesar
de inativo, vou deixar o link para você conferir o conteúdo que ele já
produziu, tem muita coisa boa. Mas irei deixar os detalhes sobre os primórdios
da minha jornada enxadrística para uma outra publicação. Decidi começar uma
nova série no blog, na qual vou falar sobre os campeonatos que jogo, meus
treinos, e o que mais vier sobre esse mundo infinito que é o xadrez. E, como
estreia, nada melhor do que falar sobre a minha participação no Campeonato
Sergipano de Xadrez Rápido 2024, que rolou nesse sábado, dia 22. Hoje vou
organizar o texto primeiro falando sobre o dia do torneio de modo geral,
trazendo um apanhado das rodadas e do resultado final, e depois vou tratar das
partidas mais concretamente – e também trazer fotos e outras novas tecnologias
para o blog!
A preparação
Eu costumo ter picos de interesse pelo xadrez, assim como qualquer outro hobby
na minha vida, geralmente sem motivo ou causa aparente. Tanto é que eu já
estava há uns bons meses sem treinar ou jogar direito, e voltei a focar no
jogo somente por volta de abril ou maio. Consequências de gostar de coisas
demais. Porém, eu não iria para o torneio "enferrujado". Consegui o livro O
Método Pica-pau, que o meu amigo e grande jogador Fábio Nunes me indicou, e
tenho feito os exercícios desde o final de maio – talvez não tão
diligentemente quanto eu gostaria, admito, porém coisas da vida estudantil têm
aparecido no caminho.
Quanto ao quesito de aberturas, não tenho me dedicado tanto a elas: de
brancas, tenho gostado das posições que tenho conseguido jogando a Inglesa.
Mesmo que nem sempre consiga uma vitória, pareço entender melhor o que está
acontecendo na partida do que quando jogo e4 ou d4; já de pretas, mantive a
minha opção da Defesa Francesa contra e4, relembrando os lances e variantes
que aprendi para torneios no ano passado. Somente contra d4 é que ainda não
tenho uma escolha firme que eu saiba jogar com propriedade – é, inclusive, o
que veremos logo adiante –, mas como o ritmo do jogo era mais confortável,
pensei que estaria tranquilo em aprender os lances enquanto as partidas fossem
acontecendo. Em retrospecto, confesso que não foi a melhor escolha.
Ainda não posso dizer que tenho bom conhecimento nos finais, mas já comecei os
meus estudos com uma série de vídeos incrivelmente instrutiva pelo GM Daniel
Naroditsky. Sério, outro dia falo mais sobre isso, mas os exemplos e
especialmente os conceitos que ele traz têm sido de muita utilidade, e até
mesmo o pouco que aprendi me ajudou em um ou dois momentos neste torneio. Eu
ainda preciso sistematizar o meu estudo: alocar um tempo nos meus dias e
separar os treinos em suas "disciplinas", digamos assim (aberturas, táticas,
finais, etc.). Até o momento, só tenho utilizado uma ou outra lacuna que
aparece na minha semana e tento encaixar a primeira coisa que vem à cabeça.
Sei que não é muito eficiente, mas espero em breve melhorar nesse quesito.
Isso é tudo que tenho a dizer sobre a preparação. Sem mais delongas, vamos ao
torneio!
O dia do campeonato
O evento, organizado pela Federação Sergipana de Xadrez (FSX), teve 7 rodadas
no ritmo rápido de 15+10 (ou seja, 15 minutos mais 10 segundos de acréscimo a
cada lance jogado) e aconteceu no Instituto Federal de Sergipe (IFS), no
campus do município de Nossa Senhora do Socorro. Como ficava um tanto longe de
casa, e a primeira rodada estava programada para as 9h, eu garanti uma boa
noite de sono no dia anterior e, como todo jogador de torneio vai falar para
você, fiquei longe de jogar xadrez on-line até tarde "para aquecer". De manhã
cedo passei numa padaria aqui perto e tomei meu café da manhã, já garantindo
também o almoço, uma vez que haveria um intervalo depois da 3ª rodada,
retomando as partidas às 14h.
Inhame, frango e banana da terra: tudo de que eu preciso |
Depois de uma boa refeição, foi hora de fazer uma viagem de 30 minutos até o
IFS, reservando o som apenas para músicas relaxantes. Inevitavelmente, eu
estava bastante nervoso. Queria me sair melhor do que antes, queria que o
treinamento surtisse efeito, quem sabe até batalhar por uma das posições mais
altas da tabela – o fato de ser O Campeonato Sergipano™ realmente pesou um
pouco. Entretanto, eu adoro dirigir e a viagem foi bem tranquila. Cheguei lá
com mais meia hora de folga, e ajudei os organizadores, junto com os outros
participantes, a colocar as mesas, cadeiras, tabuleiros, etc.
Ponte para Nossa Senhora do Socorro/SE |
O local do torneio |
Após a abertura do torneio, com os discursos da diretora Sílvia e do
presidente da FSX Igor Melo – que, aliás, está se despedindo do cargo –, foi
hora de colocar a mão na massa. Na primeira rodada enfrentei uma menina do
Projeto Despertar, clube de xadrez local de Socorro que já produziu muitos
atletas, encabeçado pela própria Sílvia. Ali, ainda nos minutos iniciais, o
coração quase saiu pela boca por conta da ansiedade, mas consegui acalmar os
ânimos e trouxe a vitória. Na segunda rodada, consegui ficar numa posição
ganhadora contra o Mestre Júnior Sergipano Artur Gusmão, porém acabamos
empatando. Finalmente, na última rodada da manhã, perdi para Edvaldo Brasil,
veterano do xadrez sergipano e sempre presente nos torneios on-line. Foi uma
partida bem tosca, na verdade, mas a vida é assim. Com 1,5 pontos de 3, fiquei
um pouco abalado com a derrota, mas estava certo de que tinha jogado bem nas
outras partidas. Almocei o que tinha comprado mais cedo no carro mesmo, mas
acompanhei algumas pessoas que foram comer num restaurante na outra rua.
Emparceiramento da 3ª rodada |
Pequena surpresa que encontrei no restaurante perto do IFS |
Alguns de seus companheiros |
E mais outros! |
Depois do intervalo, fui emparceirado com João Inácio, outro jogador titulado
e muito forte, apesar da pouca idade. Jogando de brancas, outra vez fiquei bem
com a Inglesa, e acabamos chegando num final de torres onde eu estava com um
peão a mais, mas era difícil fazer progresso. Em certo ponto, ele me ofereceu
empate e eu aceitei. Não sei dizer se dava para ganhar, mas como ainda não me
sentia confiante com o conhecimento de finais, acho que fui prudente na minha
decisão. Devo dizer, por sinal, que só fui saber da real força desses
jogadores depois de passado o torneio, consultando os perfis no site da FSX e
comentando meus resultados com outros colegas. Uma boa surpresa foi ter
encontrado Fábio pela tarde, eu nunca mais o tinha visto. Ele não pôde jogar
pela manhã pois estava no trabalho, mas tinha vindo acompanhar o torneio pela
tarde e tirar algumas fotos – mais tarde, eu o daria carona de volta para
casa, junto com dois outros colegas que moravam perto de mim.
A quinta rodada foi uma verdadeira montanha-russa. Joguei com outro menino,
dessa vez mais velho, chamado Rikelmy, e foi outra Francesa do Avanço, mas ele
jogou muito estranho e logo me vi numa posição confortável. Entretanto, a
partida foi seguindo e, pouco a pouco, apesar de eu ter conseguido um peão a
mais, parecia que não tinha muito como progredir na partida. Quando achei que
estava chegando em algum lugar, ele me pegou desprevenido com um contra-jogo
e, de repente, estava com um peão quase promovendo. Com menos de 10 segundos
no relógio, tive que entregar a torre pelo peão, ficando apenas com um bispo e
três peões por uma torre e um bispo. Claramente perdido e sem tempo, pensei em
desistir naquele momento, mas segui jogando. Acho que é um costume: quando se
está perdido, você não quer sentir o amargor de aceitar a derrota logo de
cara, e fica prolongando.
Já sem esperança e frustrado por não ter visto a ideia dele, continuei jogando
por alguns lances quando, para meu assombro, ele simplesmente me entrega o
bispo. Não foi por falta de tempo, porque ele tinha mais de 8 minutos no
relógio – eu estava jogando com menos de um minuto há pelo menos uns 15
lances. Agora era bispo e três peões contra torre. Eu não estava mais perdido,
talvez estivesse até ganho! Foi um trabalho de final de jogo minucioso,
levando o rei para perto dos peões e deixando o bispo sempre vigiando,
avançando os peões com cautela quando dava. Eu ainda estava incrédulo com o
que havia acontecido. A surpresa foi ainda maior quando, mais alguns lances na
frente, eu me vi sacrificando um dos peões pela torre, e apesar de o rei dele
estar bem posicionado, os dois peões e o bispo garantiam a promoção. Ele
abandonou logo que viu. Acho que a lição a se tirar aqui é deixar que o seu
adversário prove que consegue ganhar de você, mesmo que esteja perdido.
Eu (do lado oposto da mesa) na 4ª rodada contra o CMS João Inácio. Foto: Fábio Nunes |
As duas últimas rodadas não tiveram nada de especial: a sexta foi uma derrota
amarga, na qual eu estava numa posição igualada (porém um pouco complicada
para mim), e simplesmente troquei minhas peças sem levar em conta que permitia
um peão dele promover sem qualquer chance de defesa. Talvez eu já estivesse
cansado, a quinta rodada realmente tirou muito do meu "gás". Na última rodada,
eu perdi bem rápido na verdade, ainda na abertura. Meu adversário jogou d4 e,
como falei lá em cima, não sabia muito bem como responder e acabei misturando
as aberturas. C'est la vie.
Com um resultado final de 3/7, fiquei em 22º lugar dos 39 participantes que
jogaram, com duas vitórias, dois empates e duas derrotas. Praticamente o mesmo
resultado do último torneio que joguei, em 11 de maio e também no IFS, quando
fiz 2,5/6. Eu disse que gostava de jogar xadrez, não que era bom jogador. A
sensação no final do torneio foi a de que poderia ter conseguido mais, dado
mais de mim, sido mais atencioso em determinados momentos. Eu tenho o hábito
questionável de ser duro demais comigo mesmo, e de modo improdutivo: somente
martelando o que aconteceu, e não como posso evitar que isso aconteça outra
vez – quem acompanha o blog e lê os textos mais "pesados" já sabe disso. Pois
bem, agora que já aconteceu e que estou de cabeça fria, vamos fazer esse
exercício.
Que lições posso tirar do meu torneio? Em primeiro lugar, acho essencial
montar um repertório de abertura de pretas contra d4: duas das três derrotas
foram por conta disso. Saber como jogar vai me economizar tempo e,
principalmente, me deixar mais confiante para elaborar planos nessas posições.
Também não custa nada rever as linhas da Inglesa e praticar mais. Segundo: não
se deixar pressionar por quem joga rápido e fazer os lances sem afobação. Esse
foi o motivo pela derrota contra Brasil na terceira rodada. E terceiro (e pra
mim mais difícil): ter a inteligência emocional de separar uma partida da
próxima, jogar cada rodada individualmente, independentemente de a partida
anterior ter sido uma vitória, empate ou derrota. Acho que isso tem um peso
maior em torneio do que jogando on-line ou casualmente, já que as partidas
fazem parte de um contexto em que você precisa fazer mais pontos do que todos
os outros para vencer. Mas durante a partida, somente a partida importa, e os
lances que você precisa fazer. Modéstia à parte, acho que às vezes só preciso
depositar mais confiança em mim mesmo. Claro que é preciso praticar mais,
jogar mais jogos, analisar partidas, fazer exercícios, etc. Mas no xadrez,
assim como na vida, em muitos casos a resposta está em como nossa mente lida
com as situações que nos aparecem.
Análise de partidas
Fique à vontade para pular esta seção caso ache que não entenda o suficiente,
ou caso simplesmente não te interesse. Antes de começar, quero dizer duas
coisas: primeiro que as partidas de xadrez rápido não são anotadas, ou seja,
não escrevemos os lances que jogamos e, por isso, só vou conseguir analisar
certos pontos do jogo, em especial a abertura (até onde eu lembrar). Em
segundo lugar, para que o texto não fique mais longo do que já está,
selecionei apenas algumas posições de duas ou três rodadas. Mas, se o feedback
for positivo e quiserem, eu posso depois trazer todas as rodadas de eventos
futuros ou até mesmo partidas completas que forem anotadas.
Para ilustrar os lances melhor, decidi incorporar no texto do blog estudos que
fiz no Lichess, o site que utilizo para jogar e estudar, e incluí os
comentários na análise. Outra vez, o feedback aqui me será muito importante.
Se puderem dizer se gostaram de usar o widget do Lichess, ou se
preferem que eu coloque simples imagens, eu ficaria agradecido e adaptaria
para os próximos posts.
Trago primeiro os lances iniciais da primeira rodada:
Aqui está um pouquinho da 4ª rodada:
E, como saideira, a posição vencedora que consegui após o turbilhão de emoções
que foi a quinta rodada:
De ganho, a perdido, a empatado, a ganho novamente: assim é o xadrez |
É a minha vez de jogar, e o lance aqui é bem óbvio: ...f7+ e o peão de f
promove. Note que, mesmo que fosse vez das brancas, ainda assim seria vitória
para as pretas, pois o só tem um lance: Rd7, e agora podemos jogar f7
tranquilamente.
Fim de jogo
Se você leu até aqui, primeiramente o meu muito obrigado! Sei que foi um texto
longo e em alguns momentos técnico demais para o leitor médio do blog, mas
gosto de dar os detalhes do que eu estava pensando, até mesmo para recordar no
futuro. Ainda não sei ao certo o formato que usarei para os próximos capítulos
desta série, nem tenho uma ideia 100% clara quanto ao conteúdo, mas sei que é
uma coisa que já tenho pensado em fazer há algum tempo (pelo menos uns dois
anos!) e nunca fiz, então aqui está. Espero que tenha gostado. Ainda tenho
alguns torneios para jogar nesse ano, então espere mais xadrez por vir no
gabesness;!
Links úteis
Chess Results do torneio – aqui você pode consultar as rodadas e os resultados
Site oficial da FSX – aqui você pode ver
os perfis dos jogadores, o calendário de torneios, notícias e outras
informações da Federação
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