Geralmente quando eu faço uma resenha de filme, duas coisas costumam ser verdade: eu escrevo pouco tempo depois de assistir e não vejo nenhuma outra opinião. O primeiro hábito eu tenho porque a motivação sempre é maior quando o filme está fresco na mente: as ideias estão mais claras, as impressões mais vívidas, e eu quase sempre perco o fio da meada quando passo muito tempo para escrever (não só as críticas, mas qualquer coisa de modo geral). A crescente pilha de publicações em rascunho não me deixa mentir. E quanto ao segundo hábito, é a maneira que encontrei de trazer do melhor jeito as minhas primeiras impressões, o que eu pude notar e deixar de notar por conta própria, além de também evitar "copiar" resenhas de outras pessoas. Dito isso, no Pós-créditos de hoje, iremos analisar um filme com uma premissa bem interessante e ambiciosa. Será que ele consegue entregar uma execução à altura? Vamos descobrir.
Ingredientes incluem literatura, opinião, computação, poesia, música. Pode conter traços de política e outros intensificadores de sabor. Alérgenos: contém verdade e sentimentalismo.
sexta-feira, 21 de outubro de 2022
Pós-créditos #6 — Não se Preocupe, Querida
Ano: 2022
Gênero: Suspense, Drama
Direção: Olivia Wilde
Duração: 123 min (2h03)
Uma dona de casa dos anos 50 morando com seu marido em uma comunidade experimental e utópica começa a temer que a glamourosa empresa para a qual ele trabalha possa estar escondendo segredos perturbadores. [Sinopse traduzida do site Letterboxd]
Eu tive a feliz oportunidade de voltar ao cinema depois de vários meses. Se não me falha a memória, a última vez havia sido em maio, quando assisti a Doutor Estranho no Multiverso da Loucura (um filme até OK para o meu gosto meio anti-Marvel). Acho que quando a gente está lá vendo na telona, o senso crítico inevitavelmente fica maior. Afinal, gastamos dinheiro para estar ali, o ingresso do filme, a pipoca que não pode faltar, o estacionamento do shopping... Comparando isso com uma sexta-feira qualquer, em que você decide fazer um jantarzinho em casa, abrir o computador e ver um filme escolhido sem muita importância, esperamos muito mais do que vemos na primeira ocasião do que na segunda.
Não se Preocupe, Querida não parecia muito promissor quando olhei as avaliações na hora de comprar o ingresso. Mas era a sessão mais próxima, eu estava com vontade de ir ao cinema, e já tinha me surpreendido várias vezes com filmes supostamente "medíocres". Então dei uma chance a ele. E até que gostei do filme. Não acho que o ingresso foi desperdiçado, eu me diverti assistindo. Porém, isso é praticamente tudo que eu posso dizer de positivo sobre ele. A resenha hoje, infelizmente, será curta e grossa.
De fato, é um filme interessante à primeira vista, que traz consigo uma premissa instigante. Mesmo que você não leia a sinopse antes de assistir, logo na meia hora inicial já é possível perceber que algo está errado, que há uma peça faltando no quebra-cabeça. E essa é justamente a minha primeira crítica: a total falta de suspense quanto aos rumos do enredo. Qualquer um que tenha visto outra obra do gênero já sabe de cara do que se trata, e o filme não faz questão nenhuma de esconder isso — pelo contrário, ao invés de tentar ser sutil, de fazer sugestões ao espectador, escancara tudo que já precisávamos saber na primeira oportunidade que encontra. Não estou querendo dizer que isso não possa ser feito para dar um senso de conforto e "baixar a guarda" do público, para posteriormente subverter suas expectativas. Mas não foi esse o caso.
Não se Preocupe, Querida se inspira bastante em trabalhos como Matrix e Black Mirror. A diferença é que, enquanto os dois últimos têm um caráter distinguível e marcante (até revolucionário, como foi o caso de Matrix), o mesmo não se repete aqui. O filme recorre às suas fontes de material, seja em conceito ou em estética, sem acrescentar nada de realmente novo para chamar a atenção para si. Eu não gosto muito de usar a palavra "genérico" para caracterizar o objeto da minha resenha, mas não há outro modo de falar da falta de originalidade que eu presenciei que não seja usando-a. Eu não seria tão crítico a ponto de dizer que foi uma perda de tempo ou dinheiro, eu estaria mentindo se dissesse que o filme não me entreteve. Mesmo já tendo boa noção do que vai acontecer, é interessante ver como os eventos acontecem e descobrir como a história conclui e os personagens interagem ao final do filme. Entretanto, é o tipo de filme que eu colocaria na categoria "não teria perdido nada se não tivesse assistido".
Falando um pouco sobre a atuação, Harry Styles não entregou o suficiente como o engenheiro Jack. Em Dunkirk (2017) ele estava operante, nem bom nem ruim, mas acho que desta vez o papel de protagonista pesou. Ele não carrega a emoção que o personagem demanda. Os momentos de maior tensão no roteiro, aqueles em que atores verdadeiramente talentosos brilham e pelos quais são futuramente lembrados, passaram batido por conta de uma atuação clichê e, alguns diriam, forçada. O que me surpreende é que ele poderia muito bem ter feito cursos de atuação ou feito escola de teatro e eu tenho certeza de que o produto final teria sido bem melhor do que ele apresentou.
Felizmente o mesmo não pode ser dito da real protagonista Alice com a interpretação maravilhosa de Florence Pugh. Como ela é o ponto de vista central da trama, chega a ser engraçado ver ela contracenando com seu marido Jack porque, enquanto de um lado temos uma atuação que se esforça para ser mediana, do outro temos a experiência de quem trabalhou em Little Women (2019), uma obra de lacrimejar os olhos, e Midsommar (2019), que ainda consta na minha lista de filmes que devo assistir. Definitivamente, ela rouba a cena e traz para si a responsabilidade de conduzir os as cenas mais tensas, exprimindo muito bem o que sua personagem sente (e a bagagem emocional que ela traz do seu passado recente).
Outros pontos de destaque são os antagonistas Frank e Dr. Collins, interpretados respectivamente por Chris Pine (presente nas sagas recentes de Mulher Maravilha e Star Trek) e Timothy Simmons. Quero enfatizar mais este último, pois, ainda que seu personagem não tenha tanto protagonismo, sempre que ele aparece nós sentimos a presença do ator: um coadjuvante forte que faz bom uso do espaço secundário que tem.
De resto, não há muito o que falar: a trilha sonora é boa para o caráter distópico do filme, a cinematografia e a atmosfera dos anos 50 parecem servir muito mais à estética do que à proposta do filme (muito embora ela seja, de fato, relevante) e os demais personagens existem nas suas respectivas vidas sem muito destaque. Em resumo, posso dizer que Não se Preocupe, Querida é um daqueles filmes que atraem pela boa ideia, mas decepcionam pela execução. Primeiro porque a trama é previsível e não propõe nenhum ponto de dúvida ou questionamento sobre o que pode ser verdade ou não; segundo porque o terceiro ato, o clímax do filme, deixa muito a desejar; e terceiro porque as discussões e os temas que ele traz são abordados com pouquíssima profundidade — e, uma vez sabendo quais eram esses temas, eu esperava haver uma crítica mais bem elaborada e contundente. Não me frustrei em tê-lo visto no cinema, mas é bastante esquecível. Infelizmente os filmes não muito bons trazem resenhas sem muito conteúdo, mas eu espero que você tenha gostado. Vamos esperar que a próxima seja melhor.
Obrigado por ler esta crítica até aqui!
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