Faz muito tempo que não escrevo para o blog. Muito mesmo. E eu achando que esse seria o ano em que as postagens mensais engatariam. Outra vez, deixei passatempos para lá, livros que poderia ler, filmes que poderia assistir, textos que poderia (e deveria) ter escrito. Os planos que tinha foram facilmente substituídos por outros que as circunstâncias me impuseram. Na verdade, foram muito poucas as coisas que eu supunha sobre este ano que se tornaram realidade. A minha vida mudou tanto em tão pouco tempo que ainda estou processando o impacto do soco, o rosto começou a ficar dormente só agora. O jeito é esperar que o hematoma não seja muito grande.
Lembro-me de que o último texto teve muito a ver com o tema de identidade, e não me sinto particularmente feliz em informar que pouco progresso aconteceu de lá para cá. Ou, se houve, ainda não consta no sistema. Recentemente comecei a trabalhar em um banco, então as analogias estão calibradas conforme o mundo burocrático de procedimentos administrativos e contratos de entrelinhas intermináveis. Tentarei, porém, manter um grau aceitável de poesia na prosa; não quero que minhas frases fiquem tão inertes quanto os computadores quase inoperantes da minha agência. Eu sou um escritor tão bom quanto minha organização mental me permite ser; por isso mesmo é que já me desculpo de antemão pelas palavras despejadas ao acaso nisso que quero considerar um retorno.
Sinto falta de vir aqui com um propósito. De vir aqui resenhar um livro, de conversar sobre um projeto besta que tive na faculdade, de falar sobre como foi descobrir Edgar Allan Poe. Parece que agora é tudo indefinido, e que escrevo por escrever e penso por pensar. "Escrever para não enlouquecer", alerta o título de um dos livros de Charles Bukowski. Talvez eu tenha chegado tarde, e enlouquecido entre um hiato e outro. E então a escrita é só um paliativo, o Tylenol que se engole para enfiar, estresse abaixo, a enxaqueca que não larga os dias úteis — com a ingenuidade de que meio grama por dia cura anos de maus tratos ao próprio juízo. A única coisa que ele faz é tornar as suas páginas, que outrora eram imaginativas e agradavelmente sinuosas, em papeladas rijas de comparações com a monotonia da vida adulta. Quem foi que eu me tornei, e quando foi que a loucura chegou ao ponto de se assemelhar com o pensamento regular e pragmático do escriturário mediano que sou?
Eu sou chato pra caralho.
Uns tempos atrás eu pude ler Solaris, de Stanisław Lem. Até cheguei a começar a resenha, mas como não podia ser diferente, o texto ficou incompleto e eu acabei perdendo a inércia da inspiração e a maior parte dos raciocínios que eu pretendia elaborar. Mas uma coisa ficou por aqui, e ficará por algum tempo: a ideia do oceano. Não vou revelar em que medida isso é relevante no livro, mas o conceito do oceano presente no planeta abordado pelo autor me faz refletir e chegar à conclusão de que é essa metáfora que mais se encaixa em mim atualmente. Não parece que eu estou em um oceano, mas que eu sou o oceano, ou pelo menos quem eu acho que sou, os símbolos que me compõem, as atitudes que me fazer ser eu.
Digo um oceano porque é, por natureza, uma criatura disforme — o que retorna ao problema de identidade sobre o qual falei mais cedo, e o qual foi também estrela de textos passados. Não só isso: o oceano, especialmente o oceano de Solaris, tem um interior vivo e com mistérios que perduram gerações; algo está sempre se mexendo, algo está sempre a passar por processos biológicos e químicos: uma amálgama indissociável e muitas vezes incompreensível de componentes e transformações para as quais não há explicação mais completa do que chamar de "coisas". A superfície parece calma, mas há sempre uma pequena ondulação; em algum lugar lá embaixo, o oceano digere as suas próprias entranhas, flui por suas próprias correntezas (frequentemente contraditórias), e finalmente regurgita as suas ondas, que vão quebrar lá longe, em alguma praia de não se sabe onde. Talvez não haja ninguém para vê-las molhar a areia, mas elas vão fazê-lo mesmo assim. É como o oceano é, e é como eu me sinto no momento: amorfo.
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