terça-feira, 23 de novembro de 2021

Pós-créditos #5 — Duna

Tem muito tempo que não escrevo uma resenha. Na verdade, tem muito tempo que não escrevo nada de modo geral, nem na literatura nem no blog. Sei que o hiato foi longo, e desde já me desculpo, embora eu não tenha a intenção de explicá-lo aqui e agora. Esta pequena introdução é só para dizer que, por esse motivo, talvez esta crítica não se compare às demais que já fiz, e talvez nem faça justiça ao filme da vez. Mas gostei demais dele para não escrever nada aqui, então sejam bem-vindos a mais uma publicação da série Pós-créditos!

Duna


Ficha técnica

Ano: 2021
Gênero: ficção científica
Direção: Dennis Villeneuve
Duração: 155 min (2h35)

Sinopse

Paul Atreides, um jovem brilhante e talentoso nascido com um destino além de sua compreensão, deve viajar para o planeta mais perigoso do universo para assegurar o futuro de sua família e de seu povo. Enquanto forças malévolas entram em conflito pelo monopólio do recurso mais precioso existente — uma especiaria capaz de desbloquear o maior potencial da humanidade —, apenas os capazes de conquistarem seus medos sobreviverão. Baseado no livro homônimo de Frank Herbert [Sinopse traduzida do site Letterboxd].

Crítica

Para quem não é muito por dentro do cenário de ficção científica, pode parecer que Duna é só mais uma história. No entanto, o romance de Herbert teve uma influência muito maior do que um olhar leigo pode perceber. Lançado em 1965, serviu de inspiração para trabalhos mais conhecidos como Star Wars e, mais recentemente, Game of Thrones. Por outro lado, a relação do livro com o cinema não tem um histórico tão bom. Em 1984, o renomado diretor David Lynch lançou sua própria versão — uma adaptação mal recebida unanimemente por críticos e público geral, sendo um fracasso de bilheteria e muitas vezes considerado o pior filme de seu ano. Agora, quase quatro décadas depois, Dennis Villeneuve propõe um filme ambicioso para uma obra deveras infame no meio da sétima arte.

Assisti a Duna pela primeira vez mês passado no cinema, coisa que não faço há vários meses, e vi outra vez há poucos dias. Se me lembro bem, o filme da vez passada foi Tenet, o mais novo e ambicioso projeto de Christopher Nolan. Na ocasião, até pensei em escrever uma resenha sobre ele, mas acabei optando por deixar passar; foi um filme meio confuso e eu teria que gastar um tempo considerável planejando todos os detalhes que queria dizer. Não é o caso desta vez, pois estou muito empolgado para dar a minha humilde opinião sobre esse filme. Enfim, eu tinha ido ao cinema sem saber muito o que esperar. Um amigo meu que me acompanhou já havia assistido e estava bem empolgado para rever, o que me deixou na expectativa. Mesmo assim, devo dizer que foi muito melhor do que imaginava. Antes de continuar, quero dizer que o texto será livre de spoilers, então apreciem sem moderação.

Em primeiro lugar, é impossível falar do filme de Dennis Villeneuve sem mencionar o espetacular trabalho de cinematografia. Ainda que você não goste da história ou dos personagens, a fotografia do longa — e a sua capacidade de criar, manter e manipular a atmosfera da trama quando necessário — é inegavelmente sem defeitos. É claro que esse feito não é exclusivo de Duna, mas consiste numa das qualidades do diretor, que foi responsável por outros filmes com identidades marcantes, como A Chegada (2016) e Blade Runner 2049 (2017). Os diversos momentos contemplativos, em que simplesmente estamos a observar os personagens e o cenário, com a câmera parada, apenas nos aguardando passear pela imagem, são os meus favoritos. Aqui, os detalhes falam por si só. Não é preciso de ação, de frenesi. Bastam alguns segundos de silêncio, alguns instantes de pausa, uma ou outra linha de diálogo, e já se estabelece o senso de mistério e de desconhecido que Duna quer passar. (Nota: como este é um filme recente, encontrar as imagens exatas que eu queria para compor a resenha foi particularmente difícil, então muitas são de outras cenas semelhantes. Eu também escolhi fotos que não revelem informações importantes, então não se preocupe com spoilers visuais).


É importante ressaltar que o subtítulo do filme é "Primeira Parte" ou "Tudo começa", e com motivo. A história que presenciamos serve para nos introduzir ao universo de Duna: afinal, estamos no ano 10.191, no qual viagens intergalácticas são possíveis, e avançamos tanto no conceito de defesa bélica que voltamos a lutar com espadas em vez de armas. Embora a duração de mais de duas horas e meia possa assustar, o ótimo ritmo do longa-metragem faz com que os minutos passem despercebidos — e, quando você menos espera, os créditos já estão rolando na tela e você se sente querendo reassistir imediatamente. Pelo menos foi assim comigo. O que senti naquela sessão foi o mesmo entusiasmo que senti ao ver Star Wars pela primeira vez (por sinal, a inspiração que George Lucas teve para sua saga é realmente perceptível ao assistir Duna, pois o local principal do filme, o planeta Arrakis, em muito se assemelha à terra natal dos Skywalker, Tatooine).

Por se tratar de um filme introdutório, há bastante exposição, especialmente sobre os locais e a cultura do povo de Arrakis. Mas não acho que essas informações foram apresentadas de modo cansativo; pelo contrário, a maneira como descobrimos o mundo e os detalhes da trama vêm de forma natural: assim como nós, Paul precisa aprender sobre o planeta, sobre seus nativos. Como consequência, essa abordagem não apenas "amacia" o conteúdo expositivo, mas também nos põe mais próximos ao protagonista, o que nos faz imergir ainda mais na jornada de Paul e sua família. Eu gostaria ainda de comentar um pouco sobre essa "regra" implícita que condena todo e qualquer tipo de exposição: alguns gêneros são bastante dependentes da apresentação de conceitos novos, de objetos diferentes e de mundos aparentemente inconcebíveis. Então é natural e esperado que se dedique uma parcela de tempo para trazer explicações. Para mim, essa é a maior dificuldade ao se adaptar um livro; os dois meios são bem distintos em seus critérios. O que é aceito em um geralmente não se traduz bem para o outro. Mas isso é assunto para outro dia. O que estou dizendo é que, dada a quantidade de material a ser apresentado aos espectadores, o diretor soube administrar bem o equilíbrio entre o que precisa ser dito e o que pode ser apenas mostrado. Ponto positivo para Duna.

Não faltam grandes nomes no elenco. O protagonista é interpretado por Timothée Chalamet, que acumula participações em bons filmes recentes, como Little Women (2019) e Call me by Your Name (2017). Esse último, a propósito, rendeu-lhe diversos prêmios e até uma indicação ao Oscar de melhor ator. Já em Duna, ele soube trazer à vida um personagem em quem são depositadas muitas expectativas, mas que em alguns momentos-chave se demonstra resoluto e quiçá ambicioso. O frescor presente em sua interpretação confere a Paul Atreides o carisma que um personagem desse calibre necessita para conduzir a trama. Há também Oscar Isaac (Poe Dameron na nova trilogia de Star Wars),  Jason Momoa (de Aquaman, 2018) e Rebecca Ferguson (dos novos filmes de Missão Impossível) que fazem seus papéis com maestria. Devo ainda destacar a atuação de Stellan Skasgård como o Barão e Josh Brolin (ninguém menos que Thanos) como mestre de armas dos Atreides. Os personagens podem ser totalmente opostos — e um mais presente que o outro —, mas ambos os atores não mediram esforços para torná-los vivos e marcaram sua presença.




Antes de continuar, um pequeno adendo que pode ser spoiler: apesar de o filme estrelar Zendaya (de Homem-Aranha), a sua participação nesse filme ainda é modesta, uma vez que a maior parte da história gira em torno da Casa Atreides e, mais especificamente, Paul e sua mãe Jessica.

Quanto à trilha sonora, basta dizer que foi feita por Hans Zimmer, compositor de A Origem, O Cavaleiro das Trevas e tantos outros sucessos. A sua música é a cereja do bolo para completar a visão que Villeneuve nos quis passar de Duna: um mundo novo e distante, futurista em alguns aspectos e, ao mesmo tempo, reminiscente de eras antigas da humanidade em outros. Zimmer evoca os sentimentos certos nas horas certas e nos faz sentir a incógnita, o mistério, a descoberta, o misticismo, o arrebatamento. Não apenas do planeta, mas também do povo Fremen. Há vários questionamentos deixados em aberto ao final do filme, mas tenho certeza de que se trata da fundação do que será explorado nas continuações.

Recomendo a todos assistirem a Duna, especialmente quem seja adepto de ficção científica e/ou fantasia. Na verdade, eu acredito que o sucesso do longa pode representar o retorno desse tipo de história para o cinema. Durante os anos recentes, as séries têm dominado esse gênero, a exemplo da já citada Game of Thrones e tantas outras semelhantes. Na minha opinião, seria incrível tornar a ver novas produções e lançamentos para as telonas — mas eu sou suspeito para falar, porque eu não gosto muito de séries. Espero que Duna dê a força necessária para esse movimento e, claro, aproveite a onda que ele mesmo criou para se tornar uma franquia de sucesso, pois tem a originalidade e atmosfera icônicas de um precursor de sagas marcantes em seus ombros.

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