De novo.
Escrever é algo que se faz sozinho. Eu não deveria ter me esquecido disso.
É difícil começar mais uma vez, digo eu no início deste texto e em incontáveis outras ocasiões de minha vida. É difícil começar mais uma vez. Mas é preciso. Então que se faça isso logo. Não hesite. Uma, duas respiradas em fundo; isso, assim está bom, deve ser o bastante. Não se arraste mais, já será perda de tempo. E tempo demais já foi perdido para se brincar com mais minutos. Comece, e depois siga em frente.
Se eu pudesse descrevê-los de forma breve, diria que os meus escritos são pinturas impressionistas de momentos. São lapsos febris de sentimentos guardados dentro de si — mais precisamente, em algum lugar entre o coração e a garganta, porque ambos os órgãos me doem, ainda que eles nada tenham que ver com as mãos que de fato escrevem. As cordas vocais podem emudecer-se voluntariamente, notando que não há ouvidos que as escutem, mas as mãos jamais se calam; alguém precisa reclamar ao gerente, perguntar-lhe: Que significa esta bagunça toda aqui? As mãos passeiam com a faca literária pelo corpo, acariciando a pele com o frio incerto do metal, contemplando qual seria o local apropriado para a próxima ferida. Sempre as mãos. Talvez seja por isso que sejam um das partes do corpo que mais me encantam e seduzem: não foram feitas para dizer nada, mas falam com uma eloquência que muitas bocas não possuem.
Os momentos são evanescentes. Eu não deveria ter me esquecido disso.
Honesta confissão: não sei realmente a que vim no dia de hoje. Não me sinto compelido por qualquer propósito maior, não consigo enxergar nenhum tema abrangente sobre o qual eu possa falar. Terei de desapontar o leitor, mas o texto do mês será desagradavelmente cru. Alguns dias, as palavras simplesmente somem, mesmo que se tenha algo a dizer — e eu tenho mais do que jamais poderei escrever aqui.
Um mês, dois meses, três, cinco, seis... um ano inteiro. Ou mais. Dezenas de momentos distintos, cada qual com seus sabores e fragrâncias individuais. Uma vida toda se passa e se vive. Ainda assim, sinto voltar ao mesmo ponto, ao mesmo momento. Ações deliberadamente imprevisíveis e conscientemente contrárias, mas que me guiam de volta aonde eu já tinha estado. Um ciclo. Uma repetição. Um retorno. Mais um texto sobre a mesma coisa, só que temperado com leves trejeitos estéticos e caprichos narrativos. Mais um mês. E não se engane, virão mais textos, e mais meses. Livro-me de mim mesmo, jogo fora tudo que de mim recordo, desfaço-me de meu próprio reflexo... e aqui me encontro mais uma vez. Inútil.
Os significados são superestimados. Eu não deveria ter me esquecido disso.
Confine alguém numa solitária apertada, e veja o prisioneiro rotineiramente queixar-se da pequenez de seu próprio espaço. Restrinja alguém a um campo suficientemente grande, e nunca haverá reclamação, pois o aprisionamento será, na prática, equivalente à liberdade. Tire-se a média aritmética desses dois extremos, e assim teremos o limbo sentimental que toma café-da-manhã comigo e me põe para dormir. Um ambiente que simula uma vastidão convidativa, apenas para me socar toda vez que tento explorá-lo, fazendo-me lembrar dos seus reais limites, muito mais claustrofóbicos do que parecem. Procuro razões nos cantos dos infernos para me convencer das mentiras em que gostaria de acreditar. Uma visão revisionista de um passado trágico, cheio de culpa e crueldade. Uma esperança injustificada que me move, a passos vagarosos, rumo a um futuro indefinido que, de acordo com a confissão número dois deste texto, já não se mostra atraente. Esgotaram-se os propósitos; o que vier a seguir é meramente acidental.
A súplica por querer retornar a um sonho do qual já fui acordado mantém-me num pesadelo esporádico, porém recorrente, que se estende até onde a vista alcança. Por falar em vista, já não consigo enxergar com nitidez, e isso nada tem que ver com meu astigmatismo, muito menos com a hipermetropia. Tudo é turvo. Já não há distinção entre o pôr e o nascer do sol, entre o céu nublado e o límpido, entre a luz reconfortante do dia ou o abraço sisudo da noite. Nada mais existe, a não ser um borrão. Uma imagem irregular de lágrimas e um meio sorriso que vive com dificuldade no rosto. Ah, este corte aqui? Não repare nele. Já está há tanto tempo me causando incômodo que às vezes até esqueço que está aí. Mas não chegue muito perto, por favor; ele pode até fechar, mas a cicatriz nunca vai parar de doer. Basta que um dedinho venha tocá-lo, mesmo que delicadamente. Sei que não mereço, mas se puder fazer a bondade, a gentileza, por favor, não toque aí. Só eu posso; quando sou eu quem cutuco, dói, mas eu sei que é a minha mão a maltratar.
Os fins são quase sempre prematuros. Eu não deveria ter me esquecido disso.
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