Talvez você já tenha reparado que, ao abrir seu navegador, uma mensagem recorrente tem aparecido: algo sobre um tal Adobe Flash Player não ser mais suportado após dezembro de 2020. Para muitas pessoas, o fim do serviço pode não significar muita coisa, e é pouco provável que elas percebam a mudança, até porque a transição para outras tecnologias tem sido bem antecipada e gradual — a Adobe havia anunciado a descontinuidade do Flash em 2017, portanto houve bastante tempo para as adaptações adequadas. Porém, para quem está aqui há mais tempo como eu, o Flash representa uma grande, grande parcela do conteúdo de uma internet dos dias de infância e/ou adolescência, uma época anterior aos grandes detentores do tempo dos usuários, antes do Facebook, YouTube, Instagram. O texto de hoje é uma visita ao passado do Adobe Flash Player e também de todos os que cresceram com ele. Nada mais apropriado para uma despedida.
O Flash Player vem de muito tempo, nasceu em 1996 e naquela época pertencia a uma empresa chamada Macromedia, que mais tarde seria comprada pela Adobe. Ele era uma ferramenta usada para reproduzir um tipo particular de mídia, os arquivos SWF ou arquivos Flash. Basicamente, os arquivos SWF eram uma maneira mais leve e prática de fazer animações 2D, já que elas eram baseadas em imagens vetoriais. O resultado disso era que a reprodução exigia bem menos largura de banda de internet e tempo de carregamento, coisa que, para o seu tempo, era uma ótima vantagem. Essas animações, por sua vez, eram feitas no Flash (sem o "Player") ou em outros programas parecidos. Mais tarde, a tecnologia foi capaz de ser usada para streaming e aplicações mais elaboradas. Devido à sua rapidez e eficiência, o Flash Player se tornou extremamente popular entre GUIs (interfaces), animações e, é claro, jogos de navegador.
Newgrounds
Não acho que muita gente vá lembrar do Newgrounds, porque eu também não acho que ele era tão conhecido no mainstream, mas é bem possível que essa imagem lhe seja familiar. O Newgrounds é uma comunidade enorme de jogos, animações, filmagens, entre outros. Foi criado em 1995, então já está mais do que na cara que a história do site e a do Adobe Flash estão inseparavelmente associadas. A grande verdade é que, apesar de não serem exatamente rápidas para produzir, as animações vetoriais do Flash foram responsáveis por uma explosão absurda de criadores de filmes e cartuns caseiros e pequenos jogos, e o Newgrounds teve um papel igualmente protagonista, uma vez que era ele o lugar que hospedava esse tipo de conteúdo. A propósito, se você ainda está se perguntando de onde conhece a logomarca do site, é porque uma penca dos jogos de lá acabavam aparecendo em outros sites e alguns se tornaram muito famosos, como vamos ver no próximo item.
Acesse o Newgrounds: Newgrounds.com — Everything, By Everyone
Click Jogos, Friv, e outros portais
Sites de joguinhos em flash foram o meu primeiro contato com o Flash Player e também com qualquer tipo de jogo em computador (eu acho, a cronologia da minha infância é bem bagunçada para mim às vezes). Acho que eu devia ter uns sete, oito anos, sei lá. Eu estava na minha casa antiga e vi no computador do meu padrasto, que era o único da casa, um jogo de moto, "Bike Mania". Naquele mesmo dia eu passei a tarde toda jogando aquilo e me viciei no Click Jogos. Por muito tempo foi o único lugar que eu conhecia, mas depois descobri outros sites como o Ojogos, Friv, Papa Jogos, Miniclip... enfim, seria impossível mencionar todas as plataformas e jogos que marcaram uma época tão divertida.
Aqui abaixo, vou deixar imagens de alguns deles, comentários e um link para você acessá-los, se quiser. Não se preocupe, apesar da falta de suporte a partir do dia primeiro de janeiro, talvez você ainda consiga jogá-los por um tempo, pois, segundo o site Tech Tudo, a Adobe afirmou que só irá bloquear o conteúdo a partir do dia 12.
Tela de início do Bike Mania original |
Jogos em flash (offline)
Red Ball |
Um dos jogos mais clássicos e simples dos virais, o título já diz tudo: você joga como uma bola vermelha e precisa chegar até a bandeira que fica no fim de cada fase, passando por diversos obstáculos no caminho. Dessa breve lista (mais jogos e nostalgia em um post futuro, quem sabe), é o segundo jogo mais simples que tem. Esse, assim como tanto outros, era só mais um joguinho que você tentava zerar quando chegava da escola ou qualquer coisa assim. Diversão pura.
Jogue enquanto pode: Red Ball
Hapland 1 |
Esse era da categoria de coisas estranhas que se encontram por aí. Hapland é uma trilogia que não tem muita explicação: você tem que se virar para descobrir qual é o objetivo e como alcançá-lo. É um point-and-click famoso e muito bom, mas que pode te frustrar bastante. Curiosidade: eu tive que ver o detonado do primeiro jogo e, não contente com isso, ainda escrevi o mesmo detonado e publiquei no meu blog antigo, lá por 2011 — é, inclusive, a postagem com mais acessos até hoje. Se você realmente estiver a fim de ler o Gabriel de 11 anos, esse é certamente o melhor caminho pra chegar até ele, porque não vou ser eu quem vai colocar o link aqui.
Jogue enquanto pode: Hapland (link para o 1, mas os outros dois podem ser facilmente encontrados)
Fireboy & Watergirl |
Com certeza o jogo mais popular que eu nunca joguei muito, por um motivo bem simples: Fireboy & Watergirl é um jogo para duas pessoas. Os jogadores usavam partes opostas do teclado para se movimentar, como WASD e as setas direcionais por exemplo, daí era possível dividir o espaço. Essa mecânica era usada amplamente em jogos como esse. O que eu mais via eram amigos na lan house ou nos computadores da minha escola de inglês sentando juntos na hora da aula jogando esse jogo no Friv, em vez de fazer o dever. Não que eu estivesse fazendo, eu também estava jogando outras coisas, mas nunca curti muito Fireboy & Watergirl. O motivo principal era porque as fases têm tempo limitado para serem concluídas, e eu nunca gostei muito disso.
Jogue enquanto pode: Fireboy and Watergirl in Forest Temple
Jogue enquanto pode: Fireboy and Watergirl in Forest Temple
The Fancy Pants Adventure World 1 |
Acho que desses, Fancy Pants é o meu favorito, inclusive me inspirou a fazer muita coisa: desenhar, animar em 2D, enfim, eu aprendi que tudo de que se precisa para fazer um projeto como esse é criatividade e dedicação. Assim como Hapland, existem outros jogos da série Fancy Pants, feita pelo Brad Borne. Hoje em dia, o jogo tem versões para PC, PS4 e Xbox One! Com o declínio gradual do Flash e a ascensão de outros meios de jogatina como consoles e celulares, vários desses jogos clássicos seguiram o mesmo caminho; Bike Mania tem um port para iOS e Android, Fireboy & Watergirl também. Felizmente, eles encontraram jeitos de manter a nostalgia viva por mais tempo e se adaptaram às novas ferramentas.
Jogue enquanto pode: FPA: World 1 (site oficial do criador, demais jogos também disponíveis)
World's Hardest Game (version 1.0) |
Será que eu preciso mesmo apresentar esse jogo? O clássico dos clássicos, The World's Hardest Game pode ser descrito em vários xingamentos de diferentes línguas, mas manteremos a educação e resumiremos numa única palavra: frustração. Justamente por isso, ele viralizou muito e eu via muitos amigos jogando (quando não, eu fazia o desserviço de apresentá-lo a eles). Como disse no texto de Red Ball, esse é o mais simples da lista. Você é o quadrado vermelho e precisa ir de uma área verde até a outra, desviando das bolas azuis no caminho. É isso. Boa sorte, você vai precisar.
Jogue enquanto pode: World's Hardest Game
Jogue enquanto pode: World's Hardest Game
Enfim, estes foram cinco (seis, com Bike Mania) dos milhões de jogos que fizeram parte da infância de muitas gente. No entanto, não é só de jogar sozinho que vive a criança dos anos 2000. Depois que a gente cresce um pouco, acaba descobrindo um mundo totalmente novo. Um mundo que pode ser dividido com outras pessoas, não só jogando com elas, mas também interagindo, conhecendo pessoas, fazendo amigos. O mundo dos jogos online.
Jogos em flash (online)
Se eu pudesse saber quantas horas da minha vida eu gastei em jogos online dos 10 aos 15 anos, eu preferiria ficar sem saber. Foram vários jogos, com vários temas, com vários amigos de vários lugares, alguns que eu já tinha e outros que lá fiz. Não tinha como não amar. Cada jogo trazia seus próprios minijogos para divertir os usuários, além da própria mecânica interna de interação social. Eu tive bons tempos enquanto criança e adolescente e minhas memórias são muito positivas. Jogos como o Club Penguin, Habbo Hotel e Adventure Quest me fizeram feliz por incontáveis dias.
Enfim, não vou me estender muito nesse ramo, principalmente porque já fiz um post no blog sobre jogos online (leia aqui), mas deixo o meu agradecimento a todos eles por terem me proporcionado tanta alegria e, quando eu decidia revisitá-los vários anos depois, tanta nostalgia.
Animações
Por último, mas não menos importante, alguns exemplos de animações que viralizaram e que marcaram uma geração vieram diretamente por causa do Flash. Já que muitas delas estão em formato de vídeo de fato, ou seja, sem ser no formato SWF, elas podem ser reproduzidas mesmo depois que o suporte da Adobe acabar. Na verdade, o YouTube é quem pôde eternizar essas obras. Quanto às que vieram antes do gigante do streaming de vídeo e que ainda necessitam do plugin para serem executadas, essas não terão a mesma sorte, infelizmente.
Salad Fingers |
O Flash deu a faca e o queijo nas mãos de qualquer um que tivesse uma história na cabeça e capacidade de desenhar. Era de se esperar que, com a liberdade criativa de que dispõem as animações, coisas estranhas surgiriam. É o caso de Salad Fingers, uma série de curtas criada por David Firth em 2007. A série acompanha essa figura sinistra e verde, com dedos enormes, vagando por um terreno totalmente inóspito e desolado. São 11 episódios ao total, e confie em mim, fica cada vez mais bizarro.
Assista em: Salad Fingers 1: Spoons
Animator vs. Animation |
Em Animator vs. Animation, o animador desenha um stick figure, que repentinamente ganha vida e se volta contra o seu criador. Criada por Alan Becker originalmente em 2006 e publicada no YouTube na mesma época de Salad Fingers, foi veiculada em inúmeros portais, blogs e fóruns. O conceito metalinguístico do curta foi o que lhe conferiu enorme carisma e sucesso. Inclusive, existem várias paródias feitas por fãs. No total, até a publicação deste post, Animator vs. Animation é uma série de cinco episódios (e alguns spin-offs, como Animation vs. Minecraft) que continua até hoje. Inicialmente feita apenas pelo próprio Alan Becker (que agora tem uma equipe responsável pela continuação do seu conteúdo), os filmes têm melhorado constantemente de qualidade. O episódio original tinha apenas dois minutos, enquanto que o mais recente tem cerca de meia hora!
Assista em: Animator vs. Animation (original) (episódio I)
Avaiana de Pau |
Ah, um clássico da internet brasileira! Mundo Canibal dos irmãos Piológo e a mítica Avaiana de Pau. Isso é muito velho. A animação é de 2004, antes mesmo do próprios YouTube, e sabe como esse vídeo viralizou tanto? Graças às correntes de e-mail e ao celular com Bluetooth do seu amigo da escola que queria te passar esse comercial sobre uma havaiana feita de madeira. Tá se sentindo velho agora? A cultura de passar vídeo e foto por bluetooth faz meus cabelos ficarem brancos. Enfim, esse e outros vídeos como o Travesseiro de Preda (sic) fizeram história numa época em que fazer história era muito, muito mais difícil do que é hoje.
Assista em: HAVAIANAS DE PAU
Refeito em HD: Avaiana de Pau Edição de 10 anos em FULL HD!
E o futuro?
O que será de todo esse vasto oceano de vídeos, jogos e experiências agora que o Adobe Flash Player não vai ser mais uma opção? Bom, como eu já havia dito mais cedo, a maioria dos criadores têm se dedicado com muito afinco a adaptar as suas obras aos novos tempos. Ainda de acordo com o Tech Tudo, o mais provável é que o substituto natural para o Flash seja o HTML5, que, diferentemente do plugin da Adobe, é de código aberto e bem mais seguro que o seu concorrente. Esses dois pontos, aliás, eram as duas maiores fontes de críticas ao Flash desde muito tempo, não apenas dos usuários, mas especialmente das empresas. O exemplo mais famoso disso é o da Apple, que parou de suportar o player nos iPhones após Steve Jobs tecer vários comentários negativos sobre sua estabilidade e segurança.
Vários jogos sobreviverão à transição. Desde o anúncio da Adobe em 2017, o Habbo Hotel tem se prontificado a migrar para o HTML5, bem como vários outros jogos maiores. Alguns deles foram para os celulares, outros para consoles e PCs. De sua própria maneira, cada um deles encontra um caminho em direção à luz. Eles sabiam que hora ou outra esse dia chegaria, era inevitável. Numa internet que se move cada vez mais rápido, era apenas uma questão de tempo.
Porém, nem tudo são flores. Muitos desses jogos menores que constituem a maioria do conteúdo de sites como o Click Jogos eram apenas pequenos projetos pessoais que não valeriam a pena o tempo e o custo para os criadores fazerem as adaptações necessárias. Assim, eu acho que veremos uma perda enorme nesse quesito, talvez não se vejam mais sites de jogos por algum tempo. É bom entender que esses lugares foram feitos para um demográfico específico numa época ainda mais específica, de bastante restrição computacional — tanto no quesito velocidade de internet quanto em hardware. Hoje em dia, por mais que comprar um computador esteja bem caro no momento, as coisas estão bem mais acessíveis que antigamente, isso é incomparável. Além disso, a geração de crianças de hoje não tem o hábito que eu e você tínhamos de usar computador em casa. O foco hoje são os celulares, e os Click Jogos da vida nunca conseguiriam entrar nesse ramo no formato que são.
Mudanças são mudanças. Quer você as julgue boas ou ruins, quer você goste ou não, elas nunca vão te pedir permissão para acontecerem; ainda mais num mundo tão volátil quanto o virtual. Depois de um tempo, nós crescemos e começamos a aprender o que significa despedir-se. Alguma hora, sua conversa com alguém será a última que você terá na vida. Alguma hora, você vai ouvir sua música favorita pela última vez, e nunca saberá que foi a última. No entanto, em situações como essa, temos a oportunidade de dizer as últimas palavras sabendo que elas serão as finais.
Eu vivi vários anos com o Flash. Muitas de vocês certamente também viveram. E é neste pequeno lugar que nem existe fora dos computadores, é neste poço de saudade e nostalgia que chamo de blog que eu redijo a minha despedida, mais um dos meus adeuses. Despeço-me de memórias que jamais serei capaz de reviver, a não ser em minha imaginação. Despeço-me de coisas que, daqui a trinta ou quarenta anos, farão eu me perguntar se realmente existiram ou foram só mais devaneios da minha cabeça esquecida e fantasiosa. A tudo isto, aqui me despeço. Adeus, Flash. Obrigado por tudo.
F flash em 2022
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