Fim de novembro. Parece-me que minha meta imaginária de publicar um texto por mês neste blog se vê mais uma vez comprometida. Não que eu me importe tanto assim, eu costumo respeitar o ritmo da minha inspiração mais do que os meus próprios, às vezes. Apesar disso, vejo este site bem encaminhado pelos meses que virão a seguir. Ainda restam alguns rascunhos a se explorar. Esta publicação, por outro lado, não é um deles. Seu nascimento veio, como já se pode imaginar, de uma necessidade repentina de escrever sobre o escrever. Parece-me também que aqui se encontra um amontoado de reclamações e súplicas literárias que outrora comporiam páginas de um caderno qualquer. Mas, se me permite uma pequena confissão, eu não era muito adepto do papel e da caneta quando comecei a escrever. Havia algo de interessante em digitar. Acho que a melhor vantagem para mim sempre foi a velocidade. Quase sempre eu penso em várias coisas diferentes ao mesmo tempo quando faço um novo texto. Ideias contrárias, complementares, tangentes, comentários adicionais, decisões estéticas — tudo isso corre muito rápido dentro de mim, e às vezes é difícil acompanhar. Quando estou digitando, porém, tenho a sensação de que as teclas conseguem acompanhar as sinapses razoavelmente. Tenho tido aventuras em papel, sim, mas são experiências sensorialmente diferentes. Escrever para o gabesness; é um trabalho que gosto que seja digital. Gosto de ouvir o som do teclado e do meu progresso gradual, frase a frase. É gostoso. Mas não é tudo. Passam-se os dias, passam-se os meses, e volta e meia torno a salivar pela escrita literária, pelos contos, pelos poemas.
A posição na qual estou é uma velha conhecida. É só acessar os textos antigos daqui, eles não me deixam mentir. É uma ânsia que não se sacia — o que não precisa ser necessariamente belo. Às vezes, é uma ânsia de vômito que nunca culmina no ato em si, e só serve para manter a sensação de enjoo e mal-estar. Porque escrever também é dizer o que não é bonito, o desagradável e o incômodo. Ter o hábito de vomitar palavras regularmente é até benéfico. Por outro lado, sinto-me enjoado há tempos e a febre literária nunca bate os quarenta graus, mas também não me deixa dormir em paz. O medo de começar de novo, especialmente quando se trata de algo diferente do qual estou habituado, me corrói por dentro, me deixa inerte, iniciar uma frase parece ser impossível. Para escrever a primeira, precisa-se ter a noção do que será a segunda e, para escrever a segunda, deve-se saber mais ou menos o que se dirá na terceira, e assim a dúvida permanece até o fim do texto, que jamais saberemos onde realmente é até chegarmos nele. Como eu posso, então, redigir uma introdução sem conhecer claramente o epílogo e todos os outros capítulos do livro?
Pode soar como uma preocupação bem lógica, de fato é, mas essa pergunta quase nunca me aparece. As respostas sempre vão respondendo as perguntas conforme eu vou redigindo minhas ideias, impedindo que eu me depare frente a frente com a questão que, no fundo, é um dos fundamentos da boa escrita. Por que, então, sofro agora com esse dilema? Provavelmente porque minhas ambições cresceram bastante, e o que antes podia ser dito em poucos parágrafos agora deseja ser narrado em duas ou três páginas. A responsabilidade aumentou, isso é fato. Resta apenas elevar a coragem para tocar, uma vez mais, o papel em branco. Uma vez que pomos as manchas iniciais de tinta, preencher o resto é uma questão de tempo.
A ideia para este texto veio com uma música que gosto muito, chamada "Wither", da banda Dream Theater. A letra fala justamente sobre o processo criativo, nesse caso aplicado à composição das canções, mas que muitas vezes se assemelha à literatura. É uma música muito bonita, tanto a sua mensagem quanto a sua melodia. Recomendo a quem gosta de gêneros como metal e rock progressivos. Enfim, tanto "Wither" quanto o álbum como um todo, "Black Clouds and Silver Linings", são muito inspiradores para mim, mas os versos dessa canção específica ressoaram harmoniosamente com meus próprios pensamentos acerca do meu ofício de escritor. Eis uma dupla de parágrafos que contém um pedaço de como penso e de como me sinto. Depois disso, novembro terá acabado.
Escrever é um processo doloroso. É ser refém de si mesmo, é submeter-se a grandes pancadas, excruciantes batidas emocionais. É notar-se perdido, sem saída alguma. É ter de voltar, refazer, frustrar-se, jogar fora, apagar, rabiscar, voltar, refazer, cortar partes, ser minucioso, preciso, querer prover o melhor de si em míseros detalhes. É escrever a própria personalidade no uso ou não de vírgulas e demais sinais de pontuação, numa ordem particular de uma frase, na escolha dedicada de palavras, por som, por duplo sentido, por classificação morfológica, sintática ou por qualquer outro motivo com o qual os escritores justificam suas loucuras. Detalhes que, com toda a certeza deste mundo, passarão despercebidos pela maioria das pessoas, pois em muitos casos não é suficiente ler as palavras de um livro, é necessário amar as palavras, senti-las, vê-las como entidades dotadas de consciência; há um teor sinestésico a ser considerado, e que, se me permite uma segunda confissão, é de se encher os olhos e fazê-los lacrimejar, sejam eles de quem lê ou de quem é lido.
Escrever é um processo solitário. É uma conversa consigo mesmo. É ter como companhia objetos inanimados, e deles esperar, frequentemente, alguma ajuda. É um passeio pela própria consciência. Pode ser uma jornada agradável, misteriosa, triste, assustadora, irritante, frustrante, violenta... nunca sabemos o que esperar de nós mesmos. Mas, em todas as circunstâncias, é uma caminhada feita sem acompanhantes. Existe, creio eu, uma pitada de masoquismo em gostar de escrever. Promovemos uma dor deliberada, por mais que reclamemos que é agonizante, não queremos que seja diferente, pois foi exatamente assim que conhecemos o ato de escrever. A literatura, assim como eu suponho acontecer com as demais artes, se revela aos seus artistas da forma mais bruta possível. Aqui está o contrato, estes são seus direitos e deveres, é assim que vai ser, assine se quiser, ponto final. Sem rodeios, sem entrelinhas. Você obtém o que lhe é prometido e sabe das consequências e dos efeitos colaterais que podem vir. Mesmo assim, você se apaixona. Eu me apaixonei. Aceitei as condições. Caminho sozinho, com um par de canetas no bolso e um caderno debaixo do braço. Dói, mas o sorriso que estampo no rosto enquanto escrevo é fruto de uma felicidade que carregarei até a morte.
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