A vida é uma enorme sucessão de problemas, às vezes temperada com alegria, esperança e paz, para fazer contraste com o amargor dos fracassos e, assim, proporcionar uma boa refeição existencial. Cada um de nós possui uma maneira diferente de lidar com os fatos e com essa realidade inescapável. Há quem veja a maximização do prazer como o propósito último e inerente ao ser humano. Outros preferem abraçar a indiferença silenciosa do universo. Juntamente com esses pensamentos, nascem os instrumentos pelos quais nós veiculamos nossas biópsias frequentes, nosso derramar de emoções e sentimentos. Julgo pertinente dar-lhes o nome de arte.
Durante meus poucos anos de experiência em ser humano, adotei a escrita como meu suporte. Uma tentativa de não apenas moldar o mundo, mas também criar outros vários dentro de compostos de celulose permeados por tinta aqui e ali. Uma tentativa de compreender o que existe e o que podia existir e, acima de tudo, de explicar a si mesmo para si mesmo (uma das mais difíceis ações humanas). Uma tentativa inútil? Talvez. No entanto, o mero ato de escrever já me é reconfortante e benéfico. A caneta e o papel são meus remédios de cabeceira e não duvido que grande parte dos escritores também os tenha assim. A literatura é uma grande companheira e, definitivamente, me salvou em épocas bastante duras de minha vida. Mas a puberdade chega para todos e, com ela, a mudança. É inevitável, quer isso seja para o bem ou para o mal.
Dito tudo isso, o que fazer quando tudo aquilo que fazíamos nos perde o sentido, a necessidade? Como proceder ao antecipar a devastação iminente do próprio motivo que foi o motor de todo o seu trabalho literário? Que serei eu capaz de fazer diante de tamanha destruição?
Não sei as respostas para as perguntas acima. Não espere que eu as responda. Aqui, estou exclusivamente me dando o luxo de aliviar minha desesperança neste site e, com sorte, obter a compreensão dos leitores. É um problema que me espreita há um tempo considerável, por volta de um ano e meio, quando algumas coisas pararam de fazer sentido para mim. Não sinto como se fosse necessariamente algo ruim; não há nada eterno neste mundo, coisas ficam e vão, é como é. Ainda assim, depois que decidi seguir adiante, tive a sensação de que tinha esquecido uma coisa importante. De fato, por algum motivo, a minha personalidade escritora havia ficado para trás.
Sim, eu tenho escrito desde então - este blog, por exemplo, é a prova de que ainda me resta, pelo menos, parte da criatividade e da construção frasal. Contudo, nunca mais voltei a ser o mesmo. Em 2018, escrevi por volta de três ou quatro contos. Para comparação, eu redigira essa mesma quantidade de textos apenas no mês de fevereiro do ano anterior. Era como se eu tivesse perdido o jeito, como se eu tivesse voltado aos 15 anos, quando havia decidido ingressar nesse mundo de palavras. E por falar em palavras, senti-me sem elas. Em vão, buscava-as em minha mente a todo momento. A pior parte disso era que, por não me sentir hábil, eu também não me sentia completo, não me sentia eu mesmo.
Como posso, de repente, não sentir mais necessidade de algo que considero parte intrínseca do meu ser?
É um conceito deveras paradoxal. Certamente, está bem aí a origem da minha preocupação. Conviver com esse sentimento inexplicável não é nada fácil. É estar num oceano sem nenhum pedaço de terra à vista. É estar numa expedição sem bússola. Não se pode nem dar o primeiro passo, porque sequer é sabido que partes do caminho realmente são o caminho, e não um abismo profundo. Assim é que me sinto, caminhando em uma estrada sem direção, nadando no oceano mais extenso de minha mente.
Nosso grande defeito sempre foi não saber dar adeus. As últimas ações das pessoas quase nunca são categorizadas como tais. Ninguém quer se despedir. A relação mais conturbada que temos é a com a efemeridade, a própria coisa que nos permite existir e apreciar a vida. Algo tão natural quanto sua contraparte, o nascimento, é tratada com um estranhamento e rejeição inadequados, seja este fim a morte ou encerramentos menos dramáticos.
Não se pode voltar no tempo. Nossa pele está fadada a enrugar-se; nossos cabelos, a se tornarem grisalhos; nossos olhos, a se fecharem. A nostalgia é a negação da despedida. É puxar o passado pela mão e agarrá-lo com força, possuí-lo como garantia. Entretanto, nenhuma loja de penhores aceitaria o passado como garantia, já que ele não pode ser retornado futuramente. "Tudo flui, e nada permanece", já dizia Heráclito. Aceitar isso talvez seja um passo a mais em direção à felicidade.
Isso não quer dizer, por outro lado, que jamais voltarei a escrever, ou que jamais escreverei tão bem quanto antes. Isso quer dizer que jamais vou ter as mesmas razões que antes para fazer isso. Nada tem um propósito inerente, somos nós quem damos sentido às coisas - provavelmente porque é o jeito mais fácil de lidar com elas. Mas chegam momentos em que nem mesmo esses sentidos são suficientes para nós. É preciso voltar à bancada, guardar o caderno antigo e pôr um novo sobre a mesa. É preciso encontrar novas folhas, novas canetas, novas palavras, novas razões para fazer o que se faz. De vez em quando, deve-se mudar a narrativa. Não criar outra, mas sim atualizar a antiga, decorá-la com aquilo que julgarmos bom a nossos gostos pessoais e, claro, temporários.
Como escritor, eu já deveria saber disso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário