o mar
Sabe, como escritor, sempre chegam pontos na vida literária quando a gente começa a se questionar um pouco sobre a validade dos nossos esforços e a proporção com a qual eles serão recompensados. Eu, por exemplo, adoro livrarias e bibliotecas. Mas era inevitável pensar na quantidade enorme de livros diferentes naqueles lugares, e no fato de que os que eu viesse a publicar, algum dia, seriam só mais um dentro daquele universo gigante. Sem quase nenhuma relevância para a maioria esmagadora de clientes do estabelecimento.
É mais ou menos como me sinto em relação ao universo em que vivemos. De fato, somos insignificantes comparados a tudo que existe, mas, a meu ver, tem uma diferença essencial nesses dois casos. Nós não nascemos com um propósito específico. Ninguém nasce para algo. No entanto, a beleza de se viver está justamente em se dar um sentido, em tornar sua vida em algo que valha a pena relembrar setenta anos lá na frente. Já os livros são feitos com um propósito intrínseco - serem lidos. Claro que há o objetivo de satisfação pessoal de seus autores e autoras, entretanto, ninguém pode negar que o fim último de uma obra literária é atingir leitores, impactar pessoas, penetrar vidas. Não tem coisa melhor que ver alguém falando como um livro lhe causou mudanças de pensamento e comportamento. Contemplar esse poder é o grande sonho de todo escritor. Meu, inclusive.
Mas, reiterando, não é fácil se desvencilhar da ideia de ser um grão de areia no deserto que é o mundo da literatura. Especialmente quando se começa. É um dilema que carrego comigo desde muito cedo, e com o qual tenho aprendido a lidar (mais ou menos). Em última instância, a discussão gira em torno de algo conhecido como princípio Pareto, ou Lei 80/20. Em suma, o princípio afirma que, para uma grande quantidade de eventos, 80% dos efeitos provêm de 20% das causas. Um ditado famoso da área de negócios diz que 80% das vendas vêm de 20% dos clientes. É uma ideia que se mostrou presente em diversas áreas da vida e que, para alguns, é causada apenas pelo instinto humano de valorizar o que já é valorizado.
O princípio Pareto é um conceito interessante e posso até abordá-lo com mais detalhes noutra oportunidade, mas o que exatamente ele tem a ver com o assunto de hoje? Bem, a questão está nos seletos 20% de livros clássicos, consagrados e best-sellers que correspondem a 80% do consumo literário*.
a ilha
Aqui, eu pretendo tratar de dois aspectos desse grupo: o primeiro deles, e mais óbvio, é a fama. E o segundo deles é seu conteúdo. Quero fazer uma comparação entre eles e livros mais simples e modestos nesses dois quesitos.
Grandes homens e mulheres da literatura são inesquecíveis. Shakespeare, Assis, Poe, Lispector, entre tantos outros mais ou menos conhecidos. Suas contribuições foram e ainda são inegáveis, tanto no sentido estilístico quanto para a disseminação de ideias filosóficas embelezadas em forma de narrativa - distopias são um ótimo exemplo. Não se discute a importância de tais obras, nem o merecimento de seus autores serem tão exaltados. Escrita espetacular com um conteúdo profundo e instigante tem total direito de ser divulgada aos quatro cantos do mundo.
Eu mesmo sempre fui de colecionar os clássicos. Tenho uma pequena, porém lentamente crescente, coleção de distopias em meu quarto, além de outros livros famosos. E eu tinha a noção de que eles eram superiores aos romancezinhos adolescentes derivados de fanfics de Wattpad** que se veem por aí. Como sequer comparar um After à perfeição de um 1984? "Loucura", eu dizia.
Porém, com o tempo eu fui aumentando meu leque de leituras e gêneros. Isso se deu muito mais por ter ganhado livros desconhecidos de presente do que qualquer outra coisa. Entre autores que nunca ouvira falar e história nada consagradas, um deles me fizera realmente mudar minha consciência: um livrinho bem legal chamado Eu sou o mensageiro, de Markus Zusak - até conhecido pelo seu mais famoso A menina que roubava livros, mas ainda longe de ser o clássico dos meus padrões antigos. Esse livro me surpreendeu de uma forma que eu nem podia imaginar ser possível. O impacto foi tanto que me lembro muito bem a ocasião em que o recebi: foi um presente de aniversário de uma amiga chamada Larissa, na minha festa de 15 anos, em 2014. Larissa, se por acaso você encontrar este texto, deixo aqui o meu muitíssimo obrigado. Você mudou muito a minha visão sobre livros e seu valor.
Infelizmente, consegui a proeza de perder esse livro (desculpa, Larissa), e fico chateado toda vez que me lembro do descuido. Mas seu legado ainda é forte em mim. Passei a ver histórias menos mirabolantes e epopeicas com outros olhos. Nem tudo precisa ser grandioso e dramático para ser bom. Às vezes, tudo de que preciso é algo leve e despreocupado, sem muito compromisso. Não digo para não vivermos sem obras como Hamlet, por exemplo. Mas nem sempre essa narrativa densa e provocativa consegue suprir nossa necessidade. Às vezes, tudo de que preciso é algo justamente como o livro que inspirou a criação deste texto.
os peixes
Alastor Company: Viagens não convencionais foi um livro que chegou a mim da maneira mais inesperada possível. Eu entrara numa transmissão ao vivo de um canal que acompanhava e, sendo eu o único espectador naquele horário, começamos a conversar bastante. Até que entramos no mérito de livros e trocamos nossas experiências com a escrita. Ele publicara o livro em questão em forma de e-book, então decidi comprá-lo e dar uma chance. Não me arrependi.
É um livro extremamente leve e, logo de cara, admirei no autor, Lucas P. Silva, a sua capacidade de fazer humor, algo que eu estou muito longe de possuir. É um humor ingênuo e que cativa. Com personagens sem dezenas de camadas, mas com seus próprios passados. A comédia mais pura e natural que eu podia esperar, sem faltar o toque de bizarrice que é sempre bem-vindo. Não falarei mais detalhes porque planejo uma resenha dele.
Esta é a importância de livros como o de Lucas: eles trazem leveza. São uma pausa para um pão de queijo e suco de laranja; as dormidinhas de domingo para recarregar as energias para uma nova semana; intervalos de suspiro entre as horas debruçadas sobre livros mais complexos. Não se pode viver de superficialidade pra sempre, mas nem mesmo filósofos aguentariam ter o ritmo de raciocínio exigido para filosofar, se ele fosse ininterrupto. Vale a pena aproveitar o encerramento do texto para dar uma última recomendação: Em algum lugar nas estrelas, de Clare Vanderpool.
Recadinho final, dedicado ao próprio Lucas: foi um grato acaso termos conversado tanto naquele dia. E mais, ter lido seu livro também. Você ganhou um novo leitor, ainda estou me decidindo qual dos seus outros escritos será próxima compra na loja do Kindle. Eu estive doente durante os últimos dois dias, e aproveitei para terminar de ler Alastor Company. Eu não teria conseguido ler algo mais pesado que isso, você me entreteve bastante enquanto eu esperava no hospital. Aprecio muito o seu jeito de fazer comédia, continue assim, caro amigo. Seu livro era tudo de que eu precisava. Obrigado.
Observações:
* Não sei se a proporção do princípio Pareto vale para o mundo dos livros. Foi apenas uma metáfora para ilustrar meu ponto. Mas, se for, será uma bela coincidência, apesar de não ser surpresa.
** Wattpad é uma rede social para leitores e escritores. Dela, saiu um livro chamado After, que se tornou best-seller e até base para um filme.
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