terça-feira, 26 de março de 2019

Posfácio #1 - "Eu, Robô"

Uma breve introdução

Este texto, juntamente com outros futuros, fará parte de uma pequena série, na qual eu farei críticas de obras literárias que leio. Confesso que decidi fazer isso, em parte, porque é uma maneira eficiente de me motivar a ler frequentemente - coisa que, infelizmente, tenho deixado de fazer há mais de um ano. Ler e escrever estão intrinsecamente relacionados um ao outro, pelo menos em meu estilo de vida, então considerar ler mais livros para que eu possa escrever sobre eles me parece uma ideia muito boa. Portanto, permitam-me explicar como as coisas serão feitas por aqui.


Essas críticas de livro serão compostas por três partes: na primeira delas, apresentarei as informações básicas sobre o livro em pauta (título, autor, gênero, descrição, etc.); na segunda parte, descrevo superficialmente minhas impressões e minha experiência do livro. Tudo isso, é claro, sem dar nenhum spoiler, dado que essa parte será dedicada a qualquer pessoa que tenha interesse na obra e que não necessariamente a tenha lido; por fim, a terceira e última parte trará uma análise pessoal sobre as discussões e temáticas apresentadas pelo autor, um diálogo que tentarei estabelecer com meus leitores, mostrando meu ponto de vista. Esta última, desnecessário dizer, é para aqueles que já leram ou não pretendem ler o livro e apenas querem saber um pouco mais. Portanto, sem mais delongas, vamos a isto. Comecemos por um livro talvez não tão conhecido pelos leitores em geral, mas que trouxe grande contribuição para o "estado-da-arte" de seu gênero.

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Eu, Robô (I, Robot)

Autor: Isaac Asimov
Ano: 1950
Gênero: Ficção científica






Sinopse:

Eu, Robô é uma coletânea de nove contos escritos por Isaac Asimov, originalmente publicados de modo avulso em revistas literárias norte-americanas, durante os anos 1940. Todos os contos têm como ponto, é claro, robôs, além de noções de Robótica - na época, ideias introduzidas ao mundo mainstream pelo próprio Asimov. Além disso, a obra levanta questionamentos éticos, morais e filosóficos relacionados à Robótica enquanto uma prática que havia se consolidado.

A história se passa no distante futuro de 2075, e o enredo revolve em torno da protagonista Susan Calvin, uma psicóloga roboticista que trabalha para a U.S. Robots and Mechanical Men Corporation, uma das empresas que produz e mantém os robôs do mundo. Às vésperas de sua aposentadoria, ela é entrevistada por um jornalista, interessado em saber mais sobre a história dos robôs e sua relação com os humanos com o passar dos anos, então ela lhe narra os nove contos mencionados acima.

Crítica:

Nota: 8,5/10

Comecei a ler este livro de maneira um pouco cética, na verdade, mas, logo de cara, me vi obrigado a tratar o preconceito que nutria por ele. Não é à toa que Asimov era um autor bastante aclamado entre os demais de sua "especialidade" nos Estados Unidos. Os contos são muito bem escritos, não há descritivismo exagerado - o que foi um alívio para mim, porque é algo que dificilmente consigo aturar num livro -, tampouco a narração é maçante. Quando se trata de criar sociedades ficcionais, com suas próprias regras e seu próprio sistema socioeconômico, quer ele seja diferente apenas num ponto ideológico ou rompa totalmente com as barreiras tecnológicas (que é o caso em questão), um dos aspectos mais importantes que se deve ter em mente na hora de escrever são as explicações. Claro, deve-se fornecer causas e efeitos que levaram ao estado corrente daquela sociedade, do contrário, a obra deixaria de ser ficção e se tornaria fantasia; essa distinção pode ser abordada noutra oportunidade, porém devo tirar o chapéu para Asimov neste quesito. Ele soube dosar as medidas corretas de descrição e aplicação de seus conceitos criados, o que deixa a leitura muito mais fluida e agradável. Um ponto positivo que outros livros, como um dos meus favoritos, 1984, de George Orwell, deixaram a desejar em certas partes de sua narrativa.

Algo que definitivamente deve ser creditado ao autor é a sua criatividade, que foi bastante revisionista para a época. Dos anos 40 aos 60, e durante o período da guerra fria como um todo, havia muita especulação quanto aos robôs e aos seus usos pelos humanos no futuro. A falta de conhecimento sobre o assunto, em conjunto com outros fatores, criou uma atmosfera e uma opinião bastante alarmistas sobre esse assunto, portanto as figuras metálicas acabavam sempre sendo representadas como antagonistas, sempre se rebelando, buscando dominar a humanidade e obter controle sobre ela. Asimov foi justamente na direção oposta, retratando-as como ajudantes do homem, e eu acredito que esse fato contribuiu enormemente para seu livro e foi uma das maiores causas de seu sucesso a longo prazo, mesmo não tendo sido vendido tanto na época de seu lançamento.





O gênero de ficção científica, do modo como me foi apresentado em Eu, Robô não é um dos meus prediletos. É natural que, por ser estudante de Ciência da Computação, histórias como esta despertem minha curiosidade, o que de fato aconteceu, mas, de modo geral, não li nada que me deixou surpreso. Talvez seja um efeito colateral do anacronismo. De fato, este livro tem certo prazo de validade, digamos assim, entretanto, isso, por si só, não representa um defeito inerente. É apenas um atributo da obra, do mesmo modo como as histórias de terror de Edgar Allan Poe causavam calafrios e pesadelos no imaginário estadunidense do século XIX, mas que agora podem não ter a mesma potência. É compreensível e, sobretudo, não acho que um autor deva se preocupar em escrever algo atemporal ou não, a menos que seja de sua vontade, o que acredito não ser o caso.

Para finalizar esta seção, termino dizendo que, sim, eu recomendo este livro. É uma ótima leitura, especialmente se você é daqueles interessados nas histórias de robôs que seguem o storytelling clássico que costumamos ver em filmes mais antigos do gênero. E, por falar em filmes, este e outros trabalhos de Asimov foram precursores de muitos conceitos e ideias aplicados posteriormente em obras bastante famosas, a exemplo do revolucionário Matrix. Vale a pena reassistir o filme e conferir as referências após ler Eu, Robô. Ah, e claro, como eu não poderia mencionar o filme de mesmo nome, estrelado por Will Smith? Eles não têm absolutamente nada em comum, exceto pela existência das Três Leis da Robótica - base do comportamento de qualquer robô. Tirando isso, não há qualquer motivo para comparar os dois. O filme só é divertido, mas passa longe da qualidade do livro.


Análise:


(Um último aviso: esta seção contém spoilers. Muitos deles.)

As Três Leis da Robótica realmente são exploradas de maneiras bem peculiares no livro. Asimov procurou tentar levá-las a situações de extremo conflito, a fim de ver como ele mesmo seria capaz de sair delas de um jeito que não parecesse literariamente forçado. Ele soube dar fim a questões morais, que nos parece serem exclusivamente humanas, fazendo-nos realmente repensar nosso preconceito quanto às máquinas. Certamente essa aversão era bem mais forte antigamente do que hoje em dia, até porque robôs, como descritos em livros parecidos com este, já existem e vieram para ficar. Mesmo assim, Isaac provavelmente perguntou a si mesmo algo que qualquer pessoa comum perguntaria: "E se acontecesse de um robô se sentir superior aos humanos? E, mais ainda, se por acaso ele se sentisse superior a outros robôs? O que poderia acontecer?". Tudo que ele fez foi transplantar essas dúvidas, relativamente pertinentes, para suas narrativas. O resultado foi um produto que não apenas fez com que os leitores se identificassem com o problema proposto, já que eles mesmos possuíam tais indagações, como também trouxe uma reflexão sobre por que esse tipo de reflexão é importante e o que podemos fazer a respeito.

Pode-se argumentar que deve ter sido bastante fácil para ele solucionar esses problemas, já que havia as restrições das Três Leis. Contudo, e se até mesmo elas fossem postas à prova? Afinal, o ser humano é um bicho ganancioso e, eu ousaria dizer, mais perigoso que qualquer robô que você possa ver por aí (minhas noções de inteligência artificial reforçam ainda mais essa minha opinião). Foi o homem quem disse que "os fins justificam os meios". Então, porque não se poderia alterar uma dessas Leis para obter maior eficiência na produção, por exemplo? É nessa área escura que Asimov decide mergulhar em um de seus contos. Não apenas nesta, em outras similares também, e é muito  interessante observar a resolução desses problemas pelos personagens, tanto de modo literário quanto do modo real na narrativa. O livro realmente prende a atenção nessas horas.





No último conto, "Um conflito evitável", o autor propõe, ou simplesmente expõe, um debate sobre liberdade. Nele, existem as chamadas Máquinas, que são cérebros artificiais altamente complexos responsáveis por controlar basicamente todos os cálculos sobre a economia mundial. Desde o controle de gastos até a quantidade de recursos a ser coletada por cada região do mundo, tudo passa pela avaliação meticulosa e inequívoca das Máquinas. No entanto, haviam sido detectados problemas em alguns lugares, como produção de excedente e atraso em obras, o que obviamente não era para ter acontecido. Isso põe a protagonista, Susan, e outro personagem, a ponderarem sobre as causas desse fenômeno e se isso implicaria num colapso da sociedade, finalmente concretizando a clássica visão apocalíptica dos robôs. A conclusão à qual eles chegam é a de que as Máquinas na verdade estão produzindo esses pequenos desvios para se livrarem do que realmente está impedindo a humanidade de progredir: os humanos que se posicionam contra a tecnologia. Após isso, elas estarão com o caminho livre para operar em prol da humanidade, enquanto coletivo, para sempre.

O problema levantado é que, mesmo tendo o máximo de bem-estar possível e que isso é algo que virá de certeza, a humanidade de fato perdera a liberdade de escolher seu próprio destino. Claro que, devido às Três Leis, o pressuposto máximo que os robôs assumem é que eles devem prezar, acima de tudo, pelo bem-estar dos humanos, porém não há menção à liberdade nesse paradigma. Fica então o questionamento: se as pessoas fossem livres para tomar as rédeas de suas nações e seu destino, poderia haver outra (ou outras) guerras, mortes, destruição... o que vai absolutamente de encontro ao objetivo final da coletividade, a prosperidade. Por outro lado, esse objetivo pode ser facilmente alcançado em Eu, Robô. Basta que se abdique totalmente da liberdade de escolha. O que, nas últimas palavras do livro, nem é mais uma questão de decisão. Os humanos, ao criarem e cederem as suas responsabilidades às Máquinas, já haviam feito a escolha de não escolher mais nunca. É um assunto interessante, mas, devido ao comprimento deste texto, deixarei para abordá-lo outra vez. Essa liberdade, ao contrário de Susan e seus conterrâneos, eu ainda possuo.


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